ANTÍGONA
ENTREVISTA COM O DIRETOR MOACIR CHAVES
“Nós somos os responsáveis pelos acontecimentos”
Escrita por volta de 442 a.C., Antígona integra ao lado de Édipo Rei (430 a.C.) e Édipo em Colono (401 a.C.) a chamada trilogia tebana de Sófocles (495-406 a.C.), encerrando a longa série de infortúnios que recaem sobre o clã amaldiçoado dos Labdácidas.
Ao evidenciar não somente a ética amorosa de Antígona, em oposição ao discurso de ódio defendido por Creonte, como também a incapacidade de o coro se opor à tirania, a encenação de Antígona que o Ágora está preparando (a estreia está prevista para o próximo dia 17 de agosto) também pretende revisitar o mito e a tragédia antiga de modo a torná-los contemporâneos ao estado de coisas que vivemos no Brasil atual.
A seguir, leia a entrevista que o diretor Moacir Chaves concedeu ao crítico de teatro Welington Andrade sobre a montagem.
Welington Andrade – O que da Antígona de Sófocles foi preservado e chega até os dias de hoje?
Moacir Chaves – Eu acho que chega tudo. É um estupor. Quando lidamos com uma obra que está mais próxima da origem da civilização, percebemos a construção da cultura. E nos percebemos como construções dessa cultura também. Antígona nos remete a esse ponto de um determinado frescor e a uma percepção da possibilidade de uma ação mais direta. Esse sentimento de impotência que nós temos, essa insignificância de cada um no meio social, como se nossos atos, quaisquer que eles sejam, serão sempre irrisórios, em Antígona é menor. Adoro esta peça, porque a tragédia acontece sob nossa responsabilidade. Nós somos os responsáveis pelos acontecimentos.
Há uma ambivalência entre Antígona e Creonte? Ambos estão corretos na reclamação dos direitos que defendem?
Antígona é a grande agente da peça, aquela que resolve agir. Ela não é vítima de nada. Ela trava uma luta essencialmente política, que incide sobre o corpo social, e sabe muito bem o que está fazendo. Não é uma suicida. Ela sabe que pode convencer os outros. E sabe que a adesão dos outros poderá mudar o curso dos acontecimentos. Agora, quem são os outros na peça? Os outros são o coro. E o coro é o que silencia. Talvez seja até pior do que o que silencia. Porque ele se manifesta ruidosamente, mas de maneira enganosa. Por meio de um autoengano que se espalha por todo o corpo social. Ele é uma voz da qual se espera alguma coisa. Não é à toa que, depois de cada cena, haja um comentário do coro. O coro quase que explicita o sentido daquilo que foi dito, só que ele explicita de maneira falsa, ele tergiversa; ele dá uma explicação por fora daquilo que foi debatido. Não concordo com alguns comentadores que dizem que o ponto de vista de Creonte é defensável.
O que Creonte propõe não é defensável do ponto de vista político?
É uma tentativa de ação política, sim, mas não é legítimo do ponto de vista humano. Em termos da tradição e em termos do sentimento de solidariedade e piedade em relação ao outro, a atuação dele não é legítima. Ele explora o pior da condição humana: o ódio, a vingança, a pilhagem, o rancor...
Ele pode ser comparado a um tecnocrata dos dias de hoje?
Sim. Ele pensa como um político que está fazendo uma coisa justificada. Antipopular, mas justificada. Como hoje em dia em que certos políticos fazem discursos de direita porque encontram na direita um nicho muito confortável de atuação.
Qual é a atuação do coro na peça?
Os anciãos têm uma relação de muita desconfiança em relação a Creonte, mas não o enfrentam. Eles representam o ditado “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. E eles não poderiam se calar ante uma arbitrariedade evidente. A questão aqui não é ser um herói, lutar contra um adversário que está acima de você. E isso é a grandeza da peça, porque Antígona não luta contra um adversário superior a ela. Ela está em igualdade de condições com Creonte, quando eles vão para o jogo. O problema é que ela perde o jogo porque o coro não adere. O coro não adere, mas o guarda adere. O guarda, que é um personagem anônimo, diz que o pior juiz é o que julga errado. Não cabe ao juiz perverter as leis, e o problema do Creonte é que ele é o Executivo e o Judiciário juntos.
O coro representa a opinião pública?
Eles são uma essência da opinião pública. Mas há mais vozes que representam outras facetas dessa opinião pública. Hêmon diz que as pessoas estão censurando a atitude de Creonte. Essas pessoas não são o coro, composto de anciãos, e sim aqueles indivíduos representados melhor pelo guarda. O coro nunca debate de fato o problema. Eles o jogam sempre para o universo do mito e dos deuses. Eles estão sempre demonstrando a impossibilidade da ação humana. Eles incitam à covardia, à não ação. E têm um caráter de ressentimento gritante; quando tripudiam da dor de Antígona.
Qual são os valores supremos defendidos pelo texto, a piedade e o amor?
Para mim são a coragem e a liberdade. A coragem de agir e a liberdade de ação. Dentro da esfera de cada um. Não se pede heroísmo. Antígona não é uma heroína. Ela age dentro das possibilidades dela. Ela não entra para se matar, e, quando vai morrer, ela sofre. Sofre a dor da morte iminente. Da vida que não foi e nem será fruída. Isso é muito bonito na peça. O guarda, por exemplo, afronta Creonte porque é um cidadão. Ele sabe, apesar da disparidade na escala social, que há alguma coisa ali que lhe dá respaldo. E tem a coragem de falar.
O que o elenco de Antígona traz para sua direção?
Celso Frateschi, Pascoal da Conceição e Naruna Costa trazem inteligência, sensibilidade, dedicação, engajamento, ótimas reações às propostas que eu faço e novas propostas também. Além de informação. São pessoas muito bem formadas, e informadas. São três atores só fazendo tudo, e isso gera uma complexidade. De não haver um só ator para cada personagem.
Como a direção acha que o público vai receber o espetáculo?
Acho que a peça virá com muita clareza. Estamos montando a peça na íntegra, e isso já é uma enorme revelação. Eu também tenho a expectativa de que os papeis representados pelas figuras fiquem claros durante a peça. Qual é o procedimento da Antígona, do coro, Creonte, Hêmon, Tirésias, Ismênia...? E há também uma carga emocional muito forte que vem da sensação de um equilíbrio que pode ser perdido a qualquer momento. Nós vivemos em um mundo em que tudo pode desabar a qualquer hora.